domingo, 30 de dezembro de 2007

Ítaca: aproveite a viagem

Um dos mais belos arquétipos da Odisseia é protagonizado por Ulisses para quem mais vale uma guerra digna do que uma paz indigna.
Penélope, que representa a virtude, enfrentou pretendentes que cobiçavam a ilha de Ítaca, a ilha da Paz, para desfrutarem de seus incontáveis tesouros.


Recebi um toque mágico de um amigo em relação à passagem do ano, do tempo enfim. Trata-se de um poema muito conhecido e de que também gosto muito porque provoca a reflexão sobre a história de vida que cada um de nós tem a chance de construir, na medida em que não se permita respirar o monstro do medo interior cuja única função é a de nos paralisar pelo terror.


Ítaca

Konstantinos Kavafys


Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado — não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir
sublime teu corpo toca e o espírito te habita.

Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria — nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te para
comprar mercadorias raras: coral e madrepérola,
âmbar e marfim, e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.


Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.

Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.


[Tradução de Jorge de Sena]



Muito provavelmente não alcançarei a Ítaca mitológica no que se refere ao estado de espírito de quem adquiriu muito conhecimento com a experiência do caminho.
Essa busca em si é um processo infinito, na minha opinião.
E cada indivíduo decidirá se os seres mitológicos da sua própria jornada em direção a Ítaca lhe roubarão [ou não] a alma.



Aproveite a viagem.